sexta-feira, 15 de julho de 2011

É fodido!

O primeiro passo era aprender como deve ser o francês. Já tinha passado por tantas e tantas situações onde se sentira impotente perante uma língua que não dominava. Longe do meu coração, Júlio Magalhães

A C. é uma portuguesa acabada de chegar à estufa. No primeiro dia dela, eu olhei para ela e vi-me ao espelho, há dois anos e meio atrás. Caída de para-quedas num sítio desconhecido, com gente a falar uma língua desconhecida, com trabalho desconhecido. No início, tal como ela está, eu andava à nora, como o meu patrão me disse há coisa de um ano: vieste para aqui com os olhos arregalados, a tentar captar tudo o que podias. Mas acrescentou: Hoje já não abres assim os olhos.

É!!! Para isso eu gastei muuuuito dinheiro (dava para pagar um bom carro em Portugal) na faculdade. Queimei as pestanas à hora de almoço. E continuo a carregar o dicionário (pesa mais de meio quilo) para toda a parte, nem que seja para tomar café com colegas.

Ao ver a C. à minha frente, a chorar com o facto de não entender a minha chefe, eu a fazer de tradutora... dói tanto!! Ninguém sabe o que custa ter que provar que somos bons no que fazemos, no que dizemos... em tudo...
Ou provamos que valemos a pena ou somos jogados fora. E se no nosso país dói... garanto, dói mais no país dos outros. Principalmente se nem sabemos o suficiente para mandar alguém à merda. Não se ganha nada com o palavrão, é certo!, mas desabafa-se. No entanto, se não soubermos dizer Scheisse... adianta de pouco, eles ainda se riem de nós porque não temos sequer capacidade para ofender uma pessoa.


Mudámos de século, não temos que ir a salto, já não há bidonville às portas de Paris, mas... [É] uma imagem triste esta, de sermos obrigados a sair do país que nos viu nascer mas que não [dá] condições ao seu povo para, pelo menos, comer. id.

Já doeu quando tivemos que deixar o nosso país. Eu falo dos que, como eu, tentaram por todo o lado e nada... Não falo de bolseiros, de estudantes, de estagiários, de aventureiros... Porque mesmo não sendo fácil (eu sei que a partida e a adaptação custam sempre)... é muito pior se somos empurrados pelas circuntâncias da vida...

Depois dói quando temos que arregalar os olhos. Custa tanto estarmos em frente ao médico a dizer que nos dói uma merda qualquer e ele não nos entende... às vezes lá acerta com o diagnóstico... Custa quando temos que viajar de comboio, mas depois vemos que vamos na direcção errada, mas não sabemos onde sair para trocar de linha, nem sabemos como pedir ajuda. Qual Jacinto que perdeu a bagagem a caminho de Tormes!!

Depois dói quando temos que provar o quanto valemos. Ou melhor provar o que eles sabem que nós valemos. Porque se nos primeiros tempos eu tinha que provar o meu valor, nos dias que correm eu não deveria provar o que valho na estufa. E tem dias... em que tudo o que eu faça, por muuuuuuito bem feito que esteja.... é questionado.

E depois tentamos defender-nos, mas as palavras que aprendemos no dicionário não saem como deviam sair, não conseguimos sequer mandar ninguém a lado nenhum ou mandar fazer o que se deve fazer entre quatro paredes.

Custa muito ser europeia e estar na Europa, ser de raça caucasiana e viver com outros caucasianos, trabalhar mais do que os meus semelhantes e ganhar menos do que eles.
Mas digo-vos... custa mais quando uma vaca qualquer (e não falo das de quatro patas) nos tenta fazer passar por estúpidos, simplesmente porque não se domina a língua. Das ist ein Missverstandnis! Uma merda que é um mal-entendido. É que os racistas e xenófobos costumam ser burros que nem portas e não sabem que o que se diz não é importante, mas sim como se diz...

Sempre respeitei os outros. Tive colegas de quarto da Guiné e de Cabo Verde. Uma das minhas melhores amigas bem como a minha afilhada são de angola. Em Lisboa convivi com brasileiras a viver há muitos anos em Portugal e indianas acabadas de chegar da Índia, com sobrenomes portugueses, mas que mal sabiam dizer bom dia. Convivo com homens e mulheres de diferentes países, religiões, ideias políticos. Nunca tive problemas... até este ano.

E agora tem doído mais. Posso ser que que estou mais sensível, mas também pode ser aquela vaca que está a fazer mais pressão... não sei... só sei que dói muito o facto de ainda haver barreiras e preconceitos que são inquebráveis. id.

Recomendo a leitura do livro do jornalista. Como disse lá em cima, já não há bidonville, nem se vai a salto, mas o frio dos Pirinéus que o Joaquim sentiu sente-se todos os dias um pouco por todo o lado, mesmo que estejam 50º à sombra.

A música, essa estava agora a dar na rádio. Soube-me bem. Anestesiou-me um pouco!

Right here, right now, Fatboy Slim

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