Eu que sou meia alérgica aos dias disto e daquilo (o dia que mais detesto é o da mulher) agora tenho um dia para mim. Mas é mesmo especial, porque não é como o dia da mulher ou da criança que têm datas fixas. O meu dia muda conforme o ano, isto é: o dia da esclerose múltipla assinala-se sempre na última quarta-feira do mês de Maio. Este ano foi a 29, para o ano é a 28.
Eu dispenso-o bem... se calhar ainda é a negação a falar, mas não consigo ir a grupos de pessoas doentes com esclerose. Não consigo ler as publicações da associação de doentes com esclerose. Não me identifico com nada do que leio (penso que é pelo estágio da doença) e ler aquilo dá-me pânico porque estamos a falar, muitas vezes, de gente com muletas, em cadeira de rodas e por aí fora. E eu tenho medo puro de vir a ficar assim. Lendo certos testemunho assusto-me ainda mais. Tão simples como isto. Basta-me a minha mãe que TODOS os Domingos me pergunta já tiraste a injecção do frigorífico? (ela já perguntou hoje!!!), tens bebido água? (ainda não perguntou, mas deve estar quase)...
Mas o que eu mais gosto, ou então não, é como ela muda o tom do discurso para falar da minha doença com alguém. Parece uma conspiradora. Ou pensa que eu não consigo ouvir, mesmo estando a menos de dois metros de distância dela. Ou então pensa que sussurrando a doença se vai embora. Ou sei lá o quê. Sei que detesto. Sei que gosto de chamar os bois pelos nomes e só não digo sempre esclerose múltipa, porque a palavra doença é mais prática por ser curtinha. Odeio a minha situação. Detesto as injecções semanais. Tenho pânico de ficar sem força para trabalhar e ficar dependente de uma renda social. Tenho pânico de ficar esclerosada no sentido de esquecer ou baralhar as coisas. Uma pessoa sem memória é o quê?!?
Com estes medos, receios e desamores, acabei por não saber se o dia da esclerose múltipla foi assinalado em Portugal com algum destaque na comunicação social. Deveria ter estado mais atenta, mas... ainda é mais forte do que eu. Assim, não sei se foi dito ou o que foi dito na rádio ou na televisão. Mas uma coisa que eu acho fundamental dizer e sobre a qual se deve falar é a sintomatologia.
Eu andei uns meses com uma perna a dormir. Como tinha engordado pensava que as calças de ganga faziam pressão num nervo e que por isso a perna estava estranha. Deixei andar até ao dia em que o meu olho esquerdo realmente me incomodou. O médico de família não vê nada e manda-me para o oftalmologista. Ele não vê nada, mas pergunta se me dorme alguma parte do corpo. Eu fiquei espantada com a relação, mas não me assustei nem um pouco, estava só a mentalizar-me para ficar cega do olho (juro que estava!! eu não sou muito normal, mesmo!!). Nova oftalmologista, no hospital da cidade. E em menos de três horas tinha passdo por três médicos, sem perceber a relação de nada e tinha já uma consulta com o neurologista, marcada com urgência. Nem tive direito a discutir se queria ir ou não, se poderia ir ou não.
Aprendi (ainda estou a aprender) da pior forma como se manifesta a esclerose múltipla: não tem forma específica. Era uma doença que eu não conhecia (só o nome e a associação a cadeiras de rodas!!) e de repente já tinha folhetos com medicamentos e testemunhos de doentes com EM.
Ora bem... como a esclerose não é muito certa (eu não poderia ter doença mais adequada a mim!, já que também não sou muito certa!) é bom ter um certo cuidado com coisas que nos parecem banais.
Por exemplo, se sentirem uma parte do corpo dormente por mais de 48 horas, vão ao médico. Pode ser um nervo preso, pode ser um mau jeito na coluna, mas também pode ser esta doença maravilhosa.
Se vos parecer que as cores estão a ficar diferentes, não quer dizer que sejam cataratas. Pode ser o nervo óptico que está a ter dificuldades em comunicar com o cérebro (o vermelho, durante um tempo, era quase cinzento para o meu olho esquerdo!!).
Eu falo destes dois sintomas porque foram os mais flagrantes no meu caso. E a dormência veio noutras crises em outras partes do corpo (a língua parecia que estava fria e dormente... para comer era lindo!!). Mas li que as dores e a falta de força também podem ser sintomas.
Num dos folhetos que o meu médico me deu, li que uma rapariga detectou a esclerose porque as mamas não lhe cabiam no sutiã. Eu também tive esse problema em 2011, mas pensei que era por causa do trabalho pesado na estufa que exigia muito dos meus braços, que estão onde?!... ao lado da mamas, que são o quê?!?! músculos e gordura. Como eu quase não tinha massa gorda na altura, deduzia que os músculos se tinham desenvolvido até às glândulas mamárias... só depois a ler o testemunho da outra moça é que percebi por que raio tinha que comprar novos sutiãs e um vestido novo para o casório... Quem é que vai ligar uma coisa à outra?!?!
Assim, se não assinalaram o dia da esclerose múltipla na televisão, são muito parvos. Deveriam assinalar, não para assustar ou para pedir dinheiro, mas sim para prevenir. Porque se o meu olho não se tivesse manifestado, eu nunca teria dado atenção à perna, nem às dormências que vieram a seguir, pois sempre pensei que era uma "simples" compressão de um nervo... E... sabe-se lá quantos mais andam por aí a fazerem como eu, a adiar o tratamento e a permitir que a doença progrida mais facilmente...
Pronto... num Domingo como outro qualquer, em que já tirei a injecção do frigorífico, para mais logo a espetar numa das pernas, resolvi fazer a minha boa acção e falar um pouco desta coisa que me persegue. Não é para terem pena de mim. Não é para entrarem em pânico caso adormeçam todos tortos no sofá e acordem com a mão dormente. Mas... esclerose múltipla não é o tema mais abordado nas aulas de neurologia. Ou seja, nem muitos médicos não especializados em neurologia sabem falar abertamente do assunto... Assim, se puder ajudar alguém com a minha pouca experiência de vida... eu faço-o mesmo que não seja o dia da esclerose múltipla. ;)
Sem comentários:
Enviar um comentário