segunda-feira, 10 de junho de 2013

all aboard

Adoro aeroportos, barcos, linhas de caminho de ferro. Tudo o que me lembre emoção. Emoção da descoberta, da partida, da chegada. Emoção de quem fica, de quem vai. Do que fica, do que se leva, do que se traz.

Sou moça para me sentar a ver navios ou os comboios passar sem entrar, literalmente. Não identifico modelos de nenhum transporte (tirando o airbus A380 que é grande como o caraças e tem um trabalhar de motores muito mais "pesado" do que os outros aviões), tento decorar os nomes dos comboios daqui e só sei que os intercidades têm nomes de pessoas e os regionais e locais de lugares. Não acho que seja informação necessária para o meu fascínio.

Hoje vinha exausta do trabalho, sem noção das horas e a torcer para que não viesse nenhum comboio. Isso significaria esperar um tempão pelas cancelas e o que eu mais queria era alapar-me no sofá.
Tive sorte. Não era hora de passar comboios. Atravessei a passagem de nível na diagonal, correndo o risco de levar uma buzinadela de um carro. A meio dessa travessia olhei em frente e vi pela enésima vez a estação pequena que tenho à porta de casa. Demorei o passo para ver a curva da linha da direita que se vai unir à da esquerda. Apreciei mais à frente a curvatura da linha que provoca sempre um solavanco que pode deitar abaixo um passageiro desprevenido, caso o maquinista seja meio louco. E sorri. Era como se estivesse a olhar pela primeira vez para aquelas traves, para aquelas linhas de ferro que aguentam toneladas sem se mexerem do sítio.

Sorri e acabei por chegar ao outro lado da linha. Mais minuto e meio e teria atirado tudo para o chão do hall de entrada e ter-me-ia sentado na poltrona. Mas esse minuto e meio... a minha cabeça funcionou a velocidade de cruzeiro, de Concorde talvez...

Primeiro, logo que deixei as linhas para trás, apercebi-me que tinha um sorriso nos lábios. Em seguida, pus-me a pensar que me deixo fascinar com coisa pouca. A estação daqui não é a estação de S. Bento, não tem uma estátua como St. Pancras, nem um relógio como a Grand Central de Nova Iorque. Como é que me pouco deixar fascinar com duas linhas que acabam por se fundir numa, junto a um edifício sem história?!?!

Logo em seguida, saltei para o facto de tudo me fascinar. Adoro sentir os cabos de alta tensão, que alimentam os comboios, a chiar. É coisa pouca, só se sente ao passar por baixo deles, mas saber que está lá aquela energia toda...

Entretanto comecei-me a rir com a contradição de me fascinar com tudo e com pouco. Apercebi-me que pareço uma criança pequena a descobrir o mundo. Comecei a recriminar-me. Devias ter juízo. Crescer. Por isso ninguém te leva a sério...

Por fim, quase a dar por terminada a minha caminhada para casa e esta minha viagem ao meu interior, pensei eu quero é que os outros se lixem.

Sabem que mais?!?! Neste minuto e meio percebi que eu é que tenho juízo em deixar-me fascinar com estas coisas. O meu dia foi cansativo demais, eu vinha carregada com compras, cansada da caminhada e cheia de fome. Olhar para a estação e para a linha de comboio vazia deu-me uma certa serenidade, que me aliviou um pouco o meu dia mau. Se me acharem tonta por me sorrir toda na rua só por causa de uns ferros e de umas traves de madeira... pois achem. É terapêutico deixarmo-nos encantar, nem que seja por trinta segundos, com as coisas simples da vida.

Recomendo vivamente!



Há milhentas músicas que falam de comboios, de viagens. Mas quando penso em embarcar (comboio ou não) eu digo mentalmente a "letra" de Night Train, da Kadoc.  

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