Foram carros da polícia. Foram carros dos bombeiros. Foram ambulâncias. Passaram mais de dez veículos à frente da loja. Iam a toda a brida e foram parar junto à estação de comboio perto da loja.
Primeiro começaram as piadas: andam à tua procura, D.. - Não, andam à tua.
Depois, com a continuidade de sirenes, começou a curiosidade a saltar dentro de todos.
Até que a iluminada da Luzia telefonou a avisar que ia chegar tarde por causa de um Personenunfall (acidente com pessoas, será uma tradução possível, normalmente, nas linhas de comboio é uma forma educada de dizer que alguém se suicidou).
Pouco depois já alguém dizia que tinham sido dois acidentes diferentes (não cheguei a perceber).
Entretanto chegou a minha hora de sair. Fui à estação ver se poderia ir para casa. Eu costumo usar a linha 3, o que implica descer umas escadas e subir outras. Mas a linha 1 fica mesmo, mesmo... ali... à nossa frente, ao nível do passeio... não faz desvio nenhum... e já se está lá.
O comboio parado no cais, mas não no sítio onde seria previsto. O maquinista conseguiu travar o comboio antes do sítio certo, mas com a tragédia na mesma. Entretanto, a minha curiosidade mórbida puxou-me para mais perto (eu não me entendo, tenho medo da morte e não gosto de ver mortos, mas fui para lá, correndo riscos de ver o que não desejasse).
Havia seguranças por todo o lado e fitas dos bombeiros a delimitar o perímetro. Mais à frente algo no cais, mas encostado ao comboio, coberto com um saco de plástico (não sou ingénua!). E ainda mais à frente tendas da polícia.
Com atrasos, mas os comboios que costumam circular na linha 2 e 3 estavam a andar. Então fui para o meu cais. Aí vi o resto. A linha dois fechada, mais seguranças, mais fitas dos bombeiros. Mais técnicos. Um polícia a fazer fotos num sítio do comboio. Noutro sítio mais atrás havia plásticos pretos a taparem um bocado do comboio junto às rodas e mais técnicos à volta do que a nossa imaginação sabe.
Não vi sangue, nada que pudesse chocar uma criança sequer. Mas... aconteceu uma coisa que bateu forte e nem foi na estação de comboios!
Quando cheguei à estação apercebi-me que tinha deixado umas coisas na loja, como os comboios estavam atrasados, resolvi voltar.
Entretanto a iluminada de Luzia tinha chegado. Como é óbvio, comentava-se a situação. E ela extremamente indignada porque aquilo tinha acontecido, se se querem suicidar que não o façam na minha linha de comboio.
Ninguém gosta de estar horas à espera do comboio. Ninguém gosta de, no fim do dia de trabalho, ver o seu comboio a ser cancelado porque alguém se resolveu atirar à linha. Mas...
Ponto um: não se sabe se foi suicídio ou acidente. Se foi acidente. What the f***? Que é que ela quer?!?! Não é coisa que se preveja, que se evite como se pode evitar uma multa de estacionamento.
Ponto dois: se foi suicídio... onde estava esta pessoa?! Saltar para a frente de um comboio, toda a gente sabe, acaba mal. Quem salta para a frente do comboio não está a tentar matar-se, quer mesmo matar-se. Volto a perguntar: onde está essa pessoa?!?! Na fossa. No fundo. Mesmo que por argumentos fúteis, quando se chega ao suicídio... é porque estamos mal, no limite.
Assim, seja qual tenha sido a origem deste incidente que deixou muita gente apeada ao fim do dia de trabalho... temos que ter paciência e ser humanos. Pensar que nós ficámos vivos, que nós não estamos assim tão na fossa que nos apeteça saltar para a linha, que devemos agradecer por não ter sido o nosso amigo, o nosso familiar. Devemos pensar que um dia a tragédia pode tocar-nos de uma forma mais próxima, mais profunda, mais fatal do que um simples atraso de umas horas no comboio.
E foi o comportamento narcisista daquela atrasada mental que me deixou completamente chocada, abanada e, uma vez mais, decepcionada com a Humanidade!
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