sábado, 16 de março de 2013

Pois... coiso e... não sei...

Na Quinta-feira fui ajudar uma velhota que magoou um pulso. Depois do trabalho feito estivemos a tomar café e na conversa durante muito tempo. Lá pelo meio, num contexto que não se ligava propriamente ao ensino, ela diz-me você seria uma boa professora. E daí encaminhámos a conversa para as dificuldades que existem: o sistema de ensino em Portugal; a situação económica em Portugal; a falta de interesse dos portugueses por estas bandas; a falta de interesse dos suíços em aprender a língua de Camões e a minha incapacidade de ensinar a língua de Jorge Amado. E por aqui nos ficámos.

Mas eu tenho visto que, por outros motivos, me seria praticamente impossível ir dar aulas agora.

O Português, de vez em quando, escapa-me. Não estou a falar de misturar palavras alemãs no meu discurso (normalmente acontece ao contrário), mas certas palavras, certas estruturas, pontuação, até a entoação (pelo que me disse uma colega há já uns anos)… por influência do alemão, a coisa tem-se tornado complicada!

Claro que podem alguns perguntar: ah! Mas tu só estás aí há 4 anos e pouco… como pode falhar o português?!? São duas simples explicações. Uma, eu só falo português em casa. Não tenho contacto com mais ninguém falante de Língua Portuguesa a não ser com os meus pais. A outra eu explico mais à frente.

Outro motivo tem mesmo a ver com a nomenclatura adoptada actualmente. Eu estagiei numa escola que usava uma gramática que tinha um autocolante elucidativo: com a nova terminologia para ensino básico e secundário. Quando se abria via-se, “a oração/frase é…” Decidam-se… é frase ou oração?!? Andava a TLEBS ainda meia indefinida e eu vim-me embora. Hoje não sei a quantas se anda… então, como posso eu seguir com a ideia de dar aulas (pelos menos sem voltar a aprender)?!?!

A razão que prometi lá para trás é uma mistura de coisas:
O belo do acordo ortográfico!!!

Como fizeram a coisa por decreto, está toda a gente baralhada… Há os que se adaptam, os que não se adaptam. Há os que até se querem adaptar, mas não percebem nada do assunto porque não há explicação decente, não há formação e tudo e tudo e tudo. Assim, muito do que se lê por aí é uma rebaldaria e acaba por não se saber bem o que prevalece… Com o meu contacto com o Português reduzido ao mínimo, como posso eu orientar-me?!? (Sim, eu sei que há livros que explicam isso. Mas… ler um livro não resolve todos os problemas.)

Contudo, o acordo ortográfico não me complica só por esse lado. Tenho-me perguntado como se explicam certas coisas aos alunos. É certo que à perguntaporquê? feita por um miúdo português, eu posso usar do perfil de ditadora: porque sim. Como estão habituados a ouvir as coisas na rua, na sala de aula, na televisão… é uma solução possível, ainda que muito absurda. Agora… como é que eu explico certas coisas a um suíço?!?

Como é que eu digo a uma pessoa que está aprender a língua de Camões a partir do zero que o /o/ de adoçar não é igual ao de adotar? Como é que explico que o segundo /e/ de espetar não é igual ao de espetador?
 
Como explico que para é uma preposição e para é o verbo parar conjugado na terceira pessoa do plural?

Como é que explico a relação do verbo espectar com o substantivo espetador? Ou o adjectivo egípcio com o substantivo Egito? Não consigo. Não há relação lógica, portanto não consigo explicar.

Não há muitas ofertas de trabalho para professores de Português por estas bandas. Mas se houver… eu não me candidato. Os materiais que existem (eu comprei livros em Portugal há anos, na expectativa de vir a dar aulas cá) são uma porra: eu-tu-ele/ela-nós-vocês-eles/elas. Vocês?!?!

E depois com esta língua imposta por decreto, juntando à falta de rigor de tanta gente que acaba por influenciar negativamente o meu próprio Português… Não! Melhor ficar quieta no meu canto do que ser mais uma a disseminar, ainda que sem querer, a ignorância por esse Mundo fora.

Não digo que ser professora era o meu sonho de criança, porque não era. Maaaas… eu estudei durante seis anos, para agora desistir porque considero que o que aprendi nesses seis anos foi esborratado (seria melhor se fosse apagado, dava para ir estudar do zero, esborratado é algo com vestígios do que lá estava antes) por alguém que, parece-me, ainda entende menos da coisa do que eu.

4 comentários:

teresa disse...

Este post dá/daria origem a mil comentários. O sono e o adiantado da hora não o permitem. As questões que a Luísa coloca são pertinentes.

Ainda ontem, a concluirmos provas com responsabilidade para uma iniciativa recente discutia-se, com entusiasmo (e muito gosto) questões da gramática. Ficarão para outra oportunidade o acordo ortográfico e a terminologia...

A título pessoal, nunca me entusiasmou a gramática generativa, as tais árvores, que tive de trabalhar enquanto aluna ... Será mais importante escrever de modo escorreito ou catalogar palavras de acordo com correntes em vigor? Um exemplo prático? Ter feito, há anos, uma oficina de gramática (tradicional) em aula, ainda mal conhecia os alunos, e descobrir um miúdo, o Mário, que não falhava uma questão (sempre ensinei gramática recorrendo à lógica) e que, em aulas de carácter diferente, escrevia com erros e falhas de sintaxe. Mal o conhecia e perguntei-lhe «és bom aluno a Matemática, estou certa?».

A turma ficou de olhos arregalados (já o conheciam há muito) e acharam que eu tinha o dom de adivinhar, mas não o tenho. Quanto às novidades (as que gostamos e as que nos incomdam)servem para reforçar a ideia da importância de uma boa formação contínua de professores, sem isso, não é o facto de se viver em Portugal ou em qualquer outro país que contribuem para um ensino com maiúscula.

As suas dúvidas (seria capaz de ser competente?) são comuns a muitos professores que não vivem no estrangeiro, isso posso assegurar. O que preocupa é quando alguém sente que não tem, não teve nem nunca terá as ditas dúvidas :)

Luísa disse...

Sim, eu sei que não sou a única com estas dúvidas (e ainda bem, ou o Mundo estaria perdido). No entanto, assusta-me quando vou a Portugal e falo com várias pessoas, de/em vários contextos. Parece-me que estão a desistir de tudo e se alguém ainda se importa só oiço "não adianta". E este "não adianta" eu oiço sobre as finanças, as obras camarárias, o ensino, o padre, a vizinha do lado...
Compreendo que as coisas estão mal, muito mal, péssimas. Mas se entregarmos os pontos... vale mais começarmos já com o suicídio colectivo... :s

teresa disse...

Eu sei que sou um pouco ET, mas isso de entregar pontos custa a aceitar... Há dias, tive a visita de um primo do Canadá, que me perguntou «como é possível estarmos a conversar há cerca de uma hora e ainda não teres feito queixas da situação? é que os amigos que já visitei, só se queixam a tempo inteiro»... Acontece que não reclamo, pois defendo que devemos fazer os dias e não gastar demasiadas palavras sobre eles, penso que a Luísa, pelo que refere no comentário, também percebe esta coisa de se ser ET :)

Luísa disse...

Percebo completamente!
E, apesar dos dissabores que isso me tem trazido, ADORO ser uma ET.
Antes ser uma ET do que sentir ao fim do dia que fui uma inútil por nem sequer tentar algo!

:)