Galinha gorda...

Eu sempre me perguntei como é que certas empresas faziam preços tão baixos para todos os produtos. Perguntava-me como é que os fornecedores recebiam tendo em conta os valores estipulados para o consumidor final.
Certas coisas só as descobri agora que trabalho num desses supermercados com preços quase a zeros...

O supermercado em que trabalho rege-se por cinco pilares. Higiene, frescura, simpatia, rapidez de serviço e outra que não me lembro. É tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuudo mentira.

Comecemos pela frescura: sim, as frutas e legumes vêm todos os dias e parte do pão também, a outra é cozida por nós lá. Onde está a mentira?!?! Ainda não consegui comer uma nectarina doce. As uvas precisavam de mais uns dias de Sol. As cenouras apodrecem nos pacotes e as bananas, de tão verdes que são, sabem a água. Há tempos apareceram lá umas aboborinhas (a courgette) que de tão verdes que estavam ainda estavam resinosas. Hoje encontrei melões verde alface. Alguém quererá provar tal delícia?!?! Uma colega minha disse descontraidamente a uma cliente: as melancias não prestam. Esta frescura é tanta que os produtos parecem ainda estar pendurados nas árvores. Resultado? São dois: as frutas e legumes não têm sabor ou sabem a verde. E, se é verde... parece-vos que é saudável?!?!?
O pão... o que é entregue pela padaria: ou é rijo como cornos, sendo que ao fim do dia se torna uma arma mortífera, ou então está tão mal cozido que os clientes chegam ao ponto de os trazerem para pedirem o dinheiro de volta. Só hoje foram uns 20 pães para o lixo por causa da bela cozedura... O pão cozido por nós... eu não o compro a não ser em caso de não haver nem uma côdea cá em casa!! Temos que cozer o pão segundo uma tabela e com programas específicos nos fornos. Sai tudo mal. Pão a saber a fermento. Pão mal cozido (hoje uma cliente a dizer como é que eu devia cozer o pão... eu disse-lhe que fazia o que me mandavam; ela até me fez uma festa no braço para me mostrar que me entendia). Uma maravilha!
No departamento das frescuras ainda estão as flores. As flores de corte vêm três vezes por semana. Que tristeza!!! Às vezes elas estão murchas logo de manhã. As flores de vaso... se não sou eu, não bebem um bocadinho de água. E as doenças?!?! Há tempos tínhamos umas hortênsias muito más. Eu bem que lhe tentei dar o ar da minha graça, mas... elas estavam mesmo doentes com uma treta qualquer. De um dia para o outro apodreciam todas. Vim a descobrir a semana passada que andaram a fazer fotos nas hortênsias da loja e andam a gozar com elas na estufa onde trabalhei (veja-se o calibre das flores!!). Sabem a resposta da ditadora? Os clientes não podem querer qualidade com este preço. Ora... isso sabia eu, mas não estava à espera que ela o assumisse... Pouca vergonha!!
E quantos clientes chegam ao pé de mim com caixas de carne e peixe frescos e saladas e salsichas e me dizem, peço desculpa, mas a data já passou.?!?!

Vamos à higiene... se houvesse uma ASAE por aqui... eles mandavam demolir o edifício, enterravam as pareces como lixo tóxico e ainda purgavam o espaço em volta... QUE NOJO! Varrem e deixam num monte no armazém. Junto às paletes que chegam com as encomendas temos garrafas de vinho partidas, comida meia podre. Num armazém que não tem ar condicionado... às 6h da matina, quem tem sono fica bem desperto, mal entre no armazém abafado. A máquina de lavar o chão é tão boa que há tempos andavam a molhar o chão com um regador para o conseguirem lavar. Ratos gostam de passear por lá. O pão que é para cozer na loja é congelado. Mas congela e descongela umas vinte vezes antes de ser cozido: arcas frigoríficas carregadas de gelo, abertas por pura negligência. Por baixo das arcas vi eu hoje que está lá uma nojeira daquelas. A folha que me caiu lá para baixo... até tive nojo de pegar nela!!! Lavar o chão? Só onde passa a procissão. Rebentou um pacote de mozzarella e a caixa de cartão cola a caixa ao frigorífico?!? Não faz mal, mete-se um plástico por cima. O pudim flan rebentou e parece que andaram a fazer as necessidades no frigorífico?!? Não faz mal... mete-se uma caixa de cartão por cima.
Podem perguntar, sim, há controlo de higiene e segurança no trabalho. Mas esses controlos são anunciados. Nessas alturas está tudo em ordem, as pessoas que trabalham com o porta-paletes eléctrico têm os sapatos de segurança e as saídas de emergência estão desimpedidas. Nos outros dias... é conforme calha!

Simpatia associa-se a rapidez do serviço. Eu sou uma pessoa simpática e rápida no trabalho. Mas quem me vir  a trabalhar pensa que sou antipática. Posso-vos garantir: os outros são piores. Nós não temos capacidade para trabalhar como as chefias querem e ainda sermos simpáticos e garantir um serviço rápido e impossível. Eu tenho momentos que me apetece bater nos clientes. Estou exausta do trabalho e eles fazem perguntas paaaaaaaaaaaarvas. Eu lá me sorrio e se for preciso vou acompanhar a pessoa a outro corredor. No entanto, tenho a certeza que não consigo ser simpática com toda a gente como realmente deve ser e como eu gostaria de ser. Eu, por via das dúvidas, digo olá a toda a gente, de vez em quando, a mesma pessoa é saudada duas ou três vezes. Simplesmente não temos tempo de olhar para a cara dos clientes!

Então por que raio é que não há higiene e simpatia!??! Não há tempo! Nós temos que correr em contra-relógio permanentemente. Assim, como se pode ser eficiente?! Como é que se pode fazer limpezas como deve ser?!?! Não fazem... simplesmente não fazem... Como se deseja bom dia às centenas de pessoas que passam por nós todos os dias?!? Não se deseja (pelo menos em voz alta).

A ditadora que eu tenho como chefe só nos apresenta números e percentagens. Temos que correr como cães de corrida, carregar paletes como burros de carga... números e percentagens, percentagens e números....

Com este cenário... percebe-se agora como é que os preços são tão baratos... Os vendedores da loja e os funcionários que estão na central a carregar camiões de noite suam as estopinhas. De certo que os trabalhadores da agricultura e as produções de todos os outros produtos também se esmifram. Na realidade, o trabalho onde estou só não é oficialmente escravatura porque se recebe um ordenado. No entanto... não há nada que justifique que uma pessoa tenha meia hora de pausa em oito horas de trabalho e que depois disso não possa parar para fumar um cigarro...

Eu estou provisoriamente ali. Sempre foi uma ideia de transição, mas agora ainda mais firmeza tenho nisso. Mas ponho-me a pensar em quantas pessoas trabalham nesta cadeia de supermercados e em outras semelhantes. Vejo o que me custa aturar estes alucinados e penso nos que foram sancionados por fazerem greve (mandar um funcionário para mais de 100km de distância é sadismo puro). E depois vem-me à cabeça todos os activistas de meia tigela que fazem petições para ajudar os meninos do Cambodja que fazem bolas de futebol (que também é uma questão importante! não estou a desvalorizar o problema, nem um pouco!), mas que depois vão às compras a estes sítios sem fazerem um exercício mental em torno da questão de que barato tem rato...

Assim... antes de fazerem as compras... pensem bem se querem fazer parte da engrenagem da escravatura legal. Pensem que bom e barato não cabem no mesmo saco!