quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Nós somos muito pequeninos

Anteontem mandaram-me ir buscar dois young pax. Young pax é um menor de idade que viaja sem acompanhamento de nenhum tipo, tem que ter X anos (depende da companhia aérea), tem que ser capaz de ir para o avião sozinho, não tem tratamento diferente no avião e tem que saber ir buscar as malas e sair do aeroporto de chegada sozinho.
Por saber isto tudo, revirei os olhos. Pensei que era uma paneleirada (mais uma) da companhia aérea.
Fiquei à espera que alguém do pessoal trouxesse os miúdos, sempre a pensar que estava com fome e que podia estar a comer em vez de estar ali. É que young pax tem esse estatuto precisamente para não se ter que andar com ele ao colo.

Entretanto chega um dos importantes da companhia, acompanhado por dois rapazinhos. Traz um saco de plástico na mão, tira de lá uns papéis e diz-me que é a documentação deles, acena aos miúdos e não me dá mais indicações.
Pergunto aos miúdos, English? Deutsch? Pela cara deles percebo que nem uma nem outra. Então começo com a linguagem universal: um sorriso rasgado e sinais para me seguirem. Chegamos a uma parte em que há uma passadeira eléctrica e eu nem pensei, fui por ali por ser mais rápido. O miúdo mais novo, de onze anos, agarrou-se a mim. Senti-me tão mal!! E nem sequer podia pedir desculpas porque ele não me entendia. Estamos habituados a miúdos de dois anos a conseguir...
Quando chegámos às escadas rolantes, optei pelo elevador. Eu não podia arriscar que um deles se esbardalhasse por ali abaixo.

No caminho até ao controlo de passaportes, fui olhando para a papelada deles. Fiquei a saber que uma folha dobrada em três, de um papel bem fraco, serve como passaporte de emergência para naturais da Etiópia. Fiquei a saber que um visto pode vir numa folha solta, separada de um passaporte. E fiquei a saber que eles viajavam com o apoio de uma organização humanitária.

Depois dos passaportes e da bagagem, fomos para a rua procurar quem vinha buscar os miúdos. Ninguém se destacava. Ninguém nos abordou. Lá fui pedir que chamassem a pessoa que ia buscar os miúdos. Mas não chegou a ser preciso. O mais novo (que também era o único a comunicar comigo) puxou-me pelo braço e apontou para um homem que caminhava a passo largo, todo sorridente, na nossa direcção.

Apertou os miúdos contra ele, com uma força, um carinho, uma emoção... tive dificuldades em controlar as lágrimas.

Como a história dos young pax era diferente do que estou acostumada, pedi uma identificação ao homem e, enquanto escrevia o nome dele na folha, vi que o senhor tinha o estatuto de refugiado.

E pronto... tudo fez sentido. Menos a minha mesquinhez por estar com fome e não querer ir buscar os young pax.

Realmente... nós somos mínimos.

Sem comentários: