domingo, 4 de dezembro de 2011

Um aviso à população

A vida de emigrante não é fácil pelos motivos óbvios: a separação da família, dos amigos e do país; a integração noutra cultura, noutra língua e até noutras formas de trabalhar.
 
Mas vida de emigrante não é fácil por outros motivos, que são esquecidos ou escondidos. E, para mim, são escondidos por duas razões: por medo e por vergonha do "falhanço".
 
No livro do Júlio Magalhães, vê-se como os emigrantes que fugiram a salto para a França, falavam maravilhas e afinal viviam numa bidonville. É muito triste sair-se de casa à procura de algo melhor e, pelo meio, comer-se o pão que o diabo amassou. E depois, se se falha... como é que se volta à terra e se diz: afinal correu tudo ao contrário?!?!
 
Ninguém gosta de assumir que falhou, que não atingiu a sua meta. Mas... há momentos em que mais vale engolir o nosso orgulho, regressar à terra, mesmo que com a cabeça a arrastar no chão, e dizer-se: falhei.
É que, por vezes, atrás do assumir que se falhou está algo mais forte:Falhei, mas, regressando, não morro à fome.
 
Porquê esta treta toda?!?! Simples: contar-vos uma história, que gostaria que a passassem para advertir outras pessoas...
 
Um homem da minha aldeia, desempregado há dois anos, casado e com uma filha aí de uns 10 anos, resolveu vir para a Suíça há uns meses. Cá em casa só se soube disso em Setembro. Mas no momento que soubemos que ele deixara a família para trás, com a ideia de procurar algo melhor, descobrimos também que estava desempregado.

Convidámo-lo a vir cá a casa para almoçar connosco e percebermos o que realmente se passava. Resultado: ele veio em Julho, deram-lhe um contrato de trabalho, que lhe permitiu arranjar os documentos de residência. MAS...
Apesar de ser um salário minimamente agradável, que lhe permitia uma vida muito mais confortável do quem em Portugal, a coisa nunca saiu do papel. Esteve cerca de dois meses em casa de uns primos. Lá comia, lá dormia e esperava que o chamassem. NADA!! O tempo passou e ele não foi chamado para a tal firma. Resolveram ir com ele a uma firma de trabalhos temporários. Deram-lhe uns dias de trabalho, espaçados, que no todo não deve equivaler a um mês de trabalho.

Por aqui, quanto mais próximo do Inverno, menos probabilidades de se arranjar um trabalho nas obras (quem não sabe falar ou é trolha ou limpa casas-de-banho!!), mas mesmo assim eu pedi um dia de folga (ainda estava eu empregada) e corri todas as agências de trabalho temporário da minha cidade (e são um montão que eu nem sabia!!). Todos diziam o mesmo: não há trabalho na construção civil e sem conhecimento de alemão não o podemos colocar na indústria. Um desalento!!
O meu pai tem corrido tudo o que é firma, fala com tudo o que é gente conhecida e até meio desconhecida. Já fomos a outros dois cantões a ver se conseguimos algo, mas a resposta tem sido a mesma: estamos quase no Inverno!
Na Quarta-feira a sorte virou um pouquinho: uma das firmas de trabalho temporário contactou-o para trabalhar cerca de 7 dias. Não é muito, mas... sempre não está em casa sozinho a enlouquecer!
No entanto isto não é o pior de tudo: pelo meio emprestámos-lhe dinheiro para pagar a renda (entretanto os primos pediram-lhe que saísse lá de casa [suficientemente grande para o albergar]). Costumamos ir buscá-lo ao fim-de-semana para comer connosco, assim não paga comboio, nem passa fome (ele não assume, mas eu acredito que ele tenha dias em que não mete quase nada, ou mesmo nada, à boca). Na semana passada arranjámos uma panela, um tacho, uma frigideira; comprámos um monte de coisas não perecíveis e metemos num saco para lhe dar.
 
Só que eu tenho que confessar que estou exausta.
Gosto de ajudar, mas nos últimos tempos tem sido demais para mim. Se não fizer nada, não durmo de noite com uma espécie de peso na consciência (quem dorme sabendo que uma pessoa das suas relações não jantou porque não tinha o que jantar?!?). Se fizer algo, fico cansada fisica (saltar de comboio para comboio, viagens demais de uma hora, etc. e tal) e psicologicamente (só um exemplo: eu não sou tradutora) e continuo a dormir mal (será que o aceitam?! será que o mandam embora?!?)
E tem o factor financeiro. São as viagens (o gasóleo do carro dos meus pais ou os bilhetes de comboio para atravessar cantões), é o tempo perdido (folgas que eu pedi, que a minha mãe pediu, levantar cedo ao Sábado...), é a comida (ele tem comido connosco todos os fins-de-semana, mandamos-lhe comida caseira em marmitas ou comprada no supermercado). Não me estou para aqui a gabar e não lamento o que lhe dei, mas sei que não podemos continuar a sustentar esta situação...
Como este, sei eu que há mais. Portugueses e não só, na Suíça e não só. Mas este está aqui mesmo ao lado... é da minha aldeia natal e passa necessidades...
Como não trabalhou meio ano, não tem direitos a apoios sociais ou subsídios de desemprego. Como é que nós lhe vamos virar as costas?!?! Não vamos, não é verdade?!? E se agora me aparece outro da minha aldeia na mesma situação?!?! Abro uma sopa dos pobres aqui no prédio?!?!

Claro que nada na vida é certo, mas há coisas que podem ser prevenidas. E é agora que peço que, por favor, tomem atenção e divulguem. Nunca se sabe quem pode precisar destes conselhos....

Este homem tinha o tal contrato, mas... ou me engano muito ou ele pagou a alguém para vir para cá e a firma é "fantasma". Se assim for, penso que ele pode, no mínimo, perder os documentos de residência. Mas se assim for, também pode querer dizer que ele se enrolou numa teia um bocado manhosa e aí o MEDO vai mais além de ser mandado de volta pela polícia suíça... Não sei!! São só suposições, o contrato parece-me normal, mas... a firma não aparece em lado nenhum... Estranho, não!?

Então, o que se recomenda é que, antes de embarcarem numa destas, as pessoas tentem informar-se junto de embaixadas, consulados ou, no mínimo, de diferentes pessoas para cruzar dados, sobre a existência, a fiabilidade etc. da firma, do local para onde dizem que vão e mais não sei o quê. Nem que peçam ao vizinho para ver na internet se há informações, se a firma tem um site ( mesmo não sendo 100% seguro, hoje em dia, qualquer firma que se preze tem site e tem referências no site).

Depois de estarem nos países e verem que as coisas não batem certo, tentar procurar apoio nas embaixadas, nos consulados, nos sindicatos ou mesmo da polícia. Mesmo não se sabendo a língua, se mostrarmos um documento qualquer que indique a nossa origem, a polícia arranja maneira de conseguir comunicar connosco. E mesmo que haja medo pelas pessoas suspeitas... será que não é pior passar fome e ser despejado como um vagabundo?!?

Digo isto tudo porque há momentos em que a melhor estratégia é recuar. No caso deste homem da minha terra... ele veio para melhorar, mas o que leva na bagagem para o Natal são dívidas (pelo menos à minha família; não pretendemos cobrar já, e muito menos com juros, mas... algum dia o dinheiro tem que vir, não?!?). Parece-me que não regressou porque também tem VERGONHA de chegar lá à terrinha e dizer: olha... fui enganado!. Se ele tivesse ido embora há mais tempo... não teria contraído dívidas  e não teria passado fome (esta não me sai da cabeça!), pois é de uma aldeia onde toda a gente tem umas batatas, umas cebolas e uma chouriça para dar...

É que não adianta MESMO estarmos a fazer-nos de fortes, a alimentar esperanças vãs por causa de um orgulho besta, que nos faz passar mal, pior do que na nossa terra.

Eu sei que este texto parece daqueles e-mails que toda a gente repassa, para salvar o menino com uma doença feita em fotoshop. Mas eu juro-vos que isto é verdade, que fui eu mesma que escrevi. Juro-vos que isto está a acontecer em pleno século XXI, por toda a Europa.

Se não se divulgarem estas coisas (ou no mínimo comentar de vez em quando no café do bairro)... podem enfiar o Fado e o apuramento para o Europeu 2012 e o special one e o special two e o vinho do Porto e as paisagens magníficas e tudo o resto num certo sítio que eu cá sei. Isso não serve de nada!! Não alimenta ninguém, não salva ninguém da exploração.  E, se só se valorizar isto, é altamente contraditório: demonstrará que os portugueses são bonitos para a fotografia, mas ignoram quem precisa de ajuda!
É que é muito giro ouvir um turco a dizer: Portugal?... Cristiano Ronaldo!, mas é muito triste ler-se nos jornais daqui: sindicato fecha obra onde trabalhavam portugueses explorados (sim, eu já li algo assim por estas bandas!).

4 comentários:

Anónimo disse...

woooooooooooo isto assusta! acabei de me inscrever numa empresa q recruta pessoal p trabalhar em hoteis na suiça.tenho conhecimento de pessoas q s inscreveram la e q correu td bem mas nunca s sabe.
mas tenho um caso parecido n chegou a extremos tais como esses.o meu pai foi p França c trabalho certo chegou la e o sr disse q so no aproximo mes podia pq era meio do mes n dava (e foi qd o mandaram ir).durante esses dias consegui arranjar umas obras numa casa e desenrascou-se. no fim do mes voltou à empresa e tb n dava so no mes seguinte.esteve uma semana ejm casa e la consegui arranjar um contrato ate janeiro ou seja um contrato de 3 meses...entretanto teve problemas c a casa. o sr mostrou-se mt prestavel no inicio n queria meio mes de renda mas no fim do mes exigiu a renda e ainda lhe apresentou contas de comida ( e o meu pai levou td de ca) prometeu que lhe deixava a casa no fim do ano mas ja o expulsou literalmente de la pq nem s quer pode levar a namorada p la pq a cama faz mt barulho...isto ta complicado sim, mas as pessoas n ajudam...s puderem afundam mais...

Luísa disse...

u peço desculpa se assustei, não era essa a minha intenção. O que pretendia era mesmo fazer um aviso. Estas situações existem e não acontecem só aos outros, também se podem passar debaixo do nosso tecto.
O que é preciso é estar de olhos abertos. E quando as coisas estão mal... desistir e voltar a casa ou pelo menos pedir ajuda às autoridades, se não se sabe onde é o sindicato, procura-se um polícia.

Quanto ao seu caso, trabalhar em hotéis nesta altura do ano não é estranho. Antes pelo contrário, os hotéis suíços precisam sempre de mais gente na altura do Inverno. Pois a época alta é ao contrário da do Algarve por causa da neve.

O que recomendo é que esteja alerta. Pode ser uma forma de se proteger, mas também de, quem sabe?!?, garantir trabalho para outras alturas.
Saudações

teresa disse...

Por situações destas é que a imagem de civilidade construída ao longo dos anos sobre determinados povos cai pela base.
No ano passado, levei para a aula (turma de um curso profissional a quem dei aulas de Português) uma reportagem recente de uma jornalista portuguesa que se fez passar por alguém com poucas habilitações escolares e foi contratada para uma fábrica na Holanda, o relato detalhado é revoltante pela forma como a dignidade humana é completamente ignorada. Se não estou em erro, a autora designa situações do tipo (viveu com fome e condições insalubres incluídas) como a escravatura do século XXI. Apesar de tudo, rejeito sempre generalizações e acredito que outros contratos não enganem, embora esta tendência de ludibriar comece a ser preocupante.

Luísa disse...

O problema neste caso, Teresa, é que foram portugueses a fazer esta asneira. As autoridades suíças não estão a par desta (e de outras)situação. Nós não podemos fazer nada, se a vítima não quiser avançar para a frente...
O que pode acontecer é um sindicato vir a saber desta irregularidade e fazer alguma coisa de forma independente (os sindicatos não funcionam exactamente como em Portugal).
Os suíços não são santos nenhuns (e eu sei-o na pele), mas a maior parte é extremamente honesta e tenta sempre ajudar o próximo. ´
Eu só contei a história para as pessoas estarem atentas. É que há de tudo por esse mundo...