domingo, 16 de setembro de 2012

Modernidade versus Classicismo

Eu tive Latim só porque era disciplina obrigatória na minha escola. Jamais teria escolhido uma língua morta para estudar aos 14 anos. Ninguém com 14 anos bem rebeldes e mexidos como os meus pensa em coisas mortas. Com 14 anos querem-se coisas giras, vivas, que sirvam para o imediato. Como estudar alemão para ir ver o Brandemburg Tor  e o Checkpoint Charlie. Isso sim! Isso é utilidade aos 14 anos. Por alguma coisa escolhi a língua germânica, embora tenha desistido por causa da louca da professora de alemão (aqui já podia escolher entre alemão e geografia, que fiz com exame de equivalência à frequência). Aos 14 anos, o latim serve para ler as placas existentes no chão e nas paredes das igrejas. Boring!
De-tes-tei latim. Só estudei o "rosa, rosa, rosae" e não andei a pensar sobre textos da antiguidade. Latim foi decorar fórmulas. Tal e  qual como na matemática. E eu até não era assim tão má, pois fiz o exame nacional sem estudar nada com13 valores. Ou seja, não era o professor que era mau, o sistema do latim no secundário é que era igual para toda gente: tradução, retroversão e já está! Ou eu nunca teria tido esta nota!
Nunca li a Ilíada, (nem a Eneida, nem nem nenhum livro da antiguidade clássica que se veja, apesar de ter muitos em casa), eu não tenho pachorra para os epítetos e para as voltas e floreados. Gosto de coisas directas, claras. Falando em clássicos no geral, comprei a tradução da Odisseia feita pelo Professor Frederico Lourenço pois pensava que a letra miudinha da edição Europa-América é que me influenciava. Afinal não... Simplesmente não há pachorra para tanta volta para se chegar a um fim triste como aquele (lamento, chegar a casa e não ser reconhecido a não ser pelo cão... é triste!). Sei que comprei As Cartas a Lucílio, porque estava no curso de Línguas e Literaturas Clássicas (nem comento a estupidez, a inconsequência, a ingenuidade e a ignorância dos 17 anos), mas mudei de curso e o livro está algures, enfiado numa prateleira num canto qualquer a ganhar pó ad eternum.
Investir na Antiguidade foi, no meu caso, perda de tempo, paciência e dinheiro (tenho andado a pensar vender os meus livros!)

Mas porquê isto agora?!?!
Li um texto em que a autora a defende o Latim com unhas e dentes e lamenta que o mesmo esteja a desaparecer das escolas portuguesas. Porque o Latim forma mentes, porque estamos numa crise cultural antes de ser económica, porque a existência potenciada pelas novas tecnologias e pelos equívocos da globalização (ficção virtual sem adequação ao real) levou-nos a agir antes de pensar, porque as estratégias são hoje como os power-points: uma sequência de ecrãs com vacuidades projectadas para impressionar em cinco minutos, sem considerar o que excede o horizonte visível. E por aí fora.

Quê?!?!  Eu aprendi a pensar por mim própria muuuuuuito antes de chegar ao secundário. Claro que pensei (e penso) muita coisa errada, mas quem não pensa, com ou sem clássicos?!? Se se espera que os jovens só comecem a pensar com 15 anos, nas aulas de Latim. Desculpem lá, mas estamos f%$#dos. E os alunos que vão por áreas que não se cruzam com o latim e com o grego a não ser no uso de fórmulas químicas, físicas, matemáticas?!?! Não conseguem ter uma mente capaz e bem formada??

Não há nada crise cultural antes da crise económica. Pois das duas uma ou a senhora pensa que cultura é o mesmo que valor ou está a misturar tudo. A crise que atravessamos é de valores. Não há respeito pelo outro, há impunidade. Eu conheço um monte de gente que não fez mais do que a quarta ou a sexta classe, um monte de gente que nunca chegou ao secundário e ainda mais um monte de gente que estudou Humanidades em escolas sem Latim e que tem a tal da mente bem formada e que também tem valores. Ou seja, não têm a tal da cultura dos clássicos, mas não são corruptos, são pessoas de trabalho, honestas, que pagam impostos, que sabem que o facilitismo não leva a lado nenhum, que saltam da cama bem cedinho  para ir trabalhar, mesmo sabendo que a gasolina vai aumentar, que os impostos as vão matar à fome, porque uma cambada de palhaços está no poder a fazer asneira da grossa.

Eu nunca li Os Lusíadas (tive uma nota fantástica na faculdade, a professora era uma agarrada a dar notas, na pauta a minha nota era equivalente a um 18, muita gente que viu a minha nota na pauta me deu os parabéns pelo meu 13), no entanto, não me deslumbro com a modernidade fast food. Mantenho o meu blog e o dos trabalhos manuais da minha mãe. Vejo notícias e programas de entretenimento online. Gosto de ver novelas da Globo. Se pudesse, passava dias em frente à tv, porque até de anúncios eu gosto e fico muito triste por não ter conseguido ver o Dr. House até ao fim (a propósito, sabem se há alguma edição especial com as séries todas?). Adoro andar na rua sozinha com a música bem alta para não pensar em nada. Mas sei que só o que brilha não é bom, sei que nem tudo o que luz é ouro (e ainda bem porque eu não gosto da cor dourada). Sei que há mais para além da efemeridade, do brilho da tecnologia, da modernidade (e ainda bem ou só se via gente com o nariz enfiado nos ai-podes, sem ligar correctamente ao mote carpe diem). Sei que é preciso parar para pensar, parar para analisar, parar para triar elementos para não se engolir tudo sem pensamente crítico.
Eu também gosto de ler. Seria incapaz de viver sem ler. Considero que se deve ler, porque faz  bem à saúde física e mental, de cada indivíduo e da sociedade em que esse indivíduo se insere. Mas como diria um professor meu, não é preciso começar com livros maçudos. Ele dizia que até no Jornal A Bola há gente que escreve bem. Não sei se é verdade ou não, eu comecei pelos maçudos e não me apeteceu voltar atrás. :D

Não, não considero os clássicos fundamentais para a formação de uma pessoa como pessoa. Não, não considero que a crise que se vive seja por questões culturais. Não, não considero a simples coisa de estudar Latim como uma boa forma de, sequer!, escrever bem. Vários exemplos que corroboram a minha teoria:
um professor da faculdade entrega-me duas provas negativas e um trabalho positivo, com muito boa nota, e pergunta-me muito confuso e intrigado: Como é que você é tão má aluna a Latim (as provas) e escreve tão bem em Português (o trabalho)? Eu encolhi os ombros, não disse nada, porque a única resposta válida que eu tinha era muito má: Eu detesto latim. E, realmente, não sou uma escritora exímia (principalmente quando escrevo directamente para o computador), mas também não sou das piores e sou humilde o suficiente para aceitar críticas construtivas (desde que não sejam sobre o meu "estilo", pois isso é pessoal e intransmissível!).
Seguindo com os argumentos, o que eu vi no departamento de clássicas ao longo da minha presença na faculdade foi assustador: é gente das clássicas que escreve pérolas como "enderesso" e que vai trabalhar para um departamento na faculdade; é gente que até se formou em Latim e Grego, mas que, ia o curso a mais de metade, não sabia que, na generalidade dos dicionários, as palavras se procuram da seguinte forma: na página e/ou coluna esquerda a palavra que vem no canto superior esquerdo é a primeira da coluna, na página e/ou coluna da direita, a palavra do canto superior direito é a última da coluna. Quando a pessoa me perguntou se eu sabia isso, eu pensava que ela estava a gozar e, quando vi que não, perguntei-me como é que ela tinha feito tantos anos de escola e  faculdade...
Depois, falando em crise valores, temos o exemplo máximo do camelo que se passeou comigo no deserto. É de clássicas. Nunca trabalhou a sério. Está a doutorar-se em Londres, mas primeiro deveria a voltar à primária. Primeiro, porque o português dele é bem pior que o meu e eu sou só licenciada. Segundo, porque pode ser que na primária lhe dêem uma reguadas por ser racista e discriminador e lhe incutam valores de respeito pelo outro e pela diferença. Terceiro, pode ser que na primária também o ensinem a entregar os trabalhos a tempo e a não gastar em vão o dinheiro da bolsa paga pelo governo português. Em Julho, ele disse-me, extremamente descontraído, que ainda não tinha uma linha escrita  e que ia pedir um adiantamento da entrega do primeiro paper. Mas já tinha ido a Milão, estava a caminho do Dubai, já tinha as passagens para Portugal e para mais uns dias de farra em Ibiza. Ou seja: irresponsabilidade na entrega do trabalho e, na realidade, os quase 2000 euros mensais da bolsa não servem para comprar livros, mas, desculpem lá o nível, para "putas e vinho verde".

Eu sei que estes exemplos não são regra, mas são a prova que a teoria dos defensores cegos da importância do Latim e do Grego também não é regra.
Não me parece que seja assim tão linear a relação do Latim com o carácter das pessoas, com os valores, com a cultura (a minha mãe até é culta, mas a única coisa que ela sabe em "latim" é uns versos em pseudo-latim de uma música de um cantor qualquer português, nem sequer sabe a missa em Latim). Quantas donas de casa lêem a Maria e sabem gerir o orçamento miserável que têm, sabem dizer aos filhos o que está certo e está errado? Quantos formados com o Latim à mistura são sacanas, corruptos, incompetentes?

O que é importante é pensar e, para isso, é bom que se comece cedo. Sendo também recomendável que se comece na língua materna, por ser mais fácil, mas também por ser a que todos à nossa volta reconhecem, facilitando a troca de ideias entre indivíduos vivos. Porque mesmo que os clássicos estejam actuais, se uma pessoa pensar e trocar ideias com outras, pode chegar às mesmas conclusões que os Antigos, sem ser obrigada a lê-los. E ler os Clássicos também não é sinal que se entende os Clássicos!

E sito sem abordar a Filosofia e a influência na Economia... Porque Filosofia também me deu muitas dores de cabeça e eu não tenho dívidas de milhões. Ou será que é por isso que um certo gajo resolveu ir estudar à Paris? Bem, isso fica para outra altura.

2 comentários:

teresa disse...

Como a compreendo, Luísa!

No início de carreira docente, era uma jovem sem experiência de aulas, o delegado de grupo (de Filologia Clássica) passava o tempo a dizer que os bons professores de Português tinham na sua formação Latim e Grego... (eu calava-me e achava-o deselegante, pois era a única de Línguas e Literaturas e sentia que a crítica era personalizada, sem entender porquê). Um belo dia, fez-me a seguinte pergunta «onde é que a colega "obteu" essa informação?», por educação e visto ele ter idade para ser meu pai, não o aconselhei a estudar a conjugação dos verbos.

Não gostando de generalizar - haverá gente muito sabedora que conhece bem a língua morta - o entender-se Latim não é condição vinculativa para escrever ou falar Português de modo adequado:)

Luísa disse...

Ai!! Finalmente alguém que me entende! :)

Claro que há de tudo em todo o lado, mas há para aí gente... parece que usam óculos de Alcanena e só vêem para a frente. Como o lugar de professor de Latim e Grego é coisa em vias de extinção... claro que inventam essa necessidade do Latim para escrever português, do Latim para formar mentalidades, do Latim para criar valores e depois há os que não pensam... e dizem "amém"!

Quanto ao seu delegado de grupo, eu acho que mais cedo ou mais tarde lhe teria mandado uma boca. Talvez quando ele voltasse a falar das maravilhas dos clássicos eu dava-lhe razão e depois.... "ah. falando em Latim e português.... sabe dizer-me de que época é a conjuação do verbo obter, tal como a conjugou há tempos? "obteu" era do latim "final", mesmo, mesmo, mesmo antes do Galaico-Português."

Eu iria ter problemas, claro, mas iria ficar muito satisfeita com a "cara de tacho" dele... :D:D:D