Em 2008, pouco tempo depois de ter chegado cá, um colega da primeira firma onde trabalhei disse-me: Du bist nicht normal (não és normal). Pensei que era uma ofensa, afinal era um grande elogio.
Com o tempo percebi que os portugueses, de modo geral, são vistos como máquinas de trabalho, que pensam em dinheiro e mais dinheiro, que aceitam ordens sem questionar, que não se integram porque não querem gastar uns patacos na escola para aprender umas linhas de alemão, que, mesmo estando em grande sofrimento, não mudam de vida só para ganhar mais uma hora por mês. Depois de me aperceber disso, sempre disse a toda a gente que não era normal, que não me sujeitava a qualquer coisa, que, quando estivesse infeliz, me mudaria. Ninguém me levou a sério, até hoje.
Na Quarta-feira, estava eu em Portugal, telefona-me a minha mãe a dizer que havia uma carta para mim, sem remetente, mas com o carimbo da terra onde é a sede da estufa. Pedi-lhe para a abrir, para saber o que era. Era um postal de aniversário, assinado pelo patrão, acompanhado por uma raspadinha. Fiquei toda contente, como é óbvio. É coisa rara!!
No entanto... o meu coração apertou-se... Tentei pensar positivo, mas lá no fundo... não será um presente envenenado?!?! É que eu estava de férias, ainda não tinha falado com o chefe sobre o que ele e o patrão tinham decidido sobre o meu futuro.
Hoje fui falar com o chefe e... a minha intuição estava 100% certa (eu odeio esta característica em mim e para cúmulo está a aguçar-se!!). Eles aceitavam as condições de contrato, aceitavam o aumento, mas (já disse que esta adversativa me persegue?!)... tinha que ir para a outra estufa. Isto por causa daquela vaca racista. O que ele não esperava era que eu não aceitasse esta pequenérrima alteração das condições.
Vamos lá ver:
para chegar àquela estufa tenho que apanhar 3 comboios e um autocarro, para chegar ao sítio onde trabalho (trabalhava) preciso de um comboio e um autocarro; eu sou boa, a vaca nem por isso; eu aceito as ordens, ela morde por trás; eu sou estrangeira, ela é suíça, mas das racistas; eu tinha que me mudar, ela ficava a rir-se; se eu aceitasse, tinha que começar do zero (na outra estufa é tudo diferente); se eu aceitasse, ia ter que trabalhar com portugueses que eu sei que são invejosos (já são quase 3 anos naquela firma, é cada história!); se eu aceitasse isto desta vez, iria entrar no mecanismo da submissão e jamais iria sair de lá (tanto desse mecanismo, como da estufa). Mas eu vim para a Suíça para mudar de vida, não vim para ser subjugada... não podia aceitar...
O meu primeiro dia foi a 25 de Fevereiro de 2009, o meu último foi a 28 de Outubro de 2011. Juro que não o esperava, como não esperava ser discriminada, preferia que eles tivessem sido altamente agarrados e me tivessem oferecido menos dinheiro, preferia que não tivessem aceitado a condição de trabalhar a 100% e me tivessem mandado embora, mas isto...
Eles pensavam que eu, por receber a prenda e por eles terem feito um desconto extra para a reforma, ia ficar quieta e calada, tal e qual como os outros portugueses, ou melhor, como os outros portuguesinhos...
Já chorei muito hoje e sei que vou chorar ainda mais. O M. e a G. vão-me fazer muuuita falta. Eles são os únicos que sempre acreditaram que eu era diferente, que eu fazia a diferença, em todos os sentidos. O M., quando eu lhe levei o jornal hoje de manhã (uma coisa parva nossa) e lhe disse que era o último que eu lhe entregava, não quis acreditar, mas, ao mesmo tempo, ele compreendeu, pois ele sabe que eu sou assim: nicht normal!!
7 comentários:
Penso que o meu comentário anterior não ficou. Desejo-lhe sinceramente que essa experiência menos positiva sirva para abrir novas portas, pois já entendi que a Luísa é dedicada ao trabalho. Acredito que, com o seu empenho, dias melhores virão. Desejo que isso aconteça num curto espaço de tempo.
Percebo bem o teu desconforto e a tua frustração. Infelizmente, sei muito bem o que são maus colegas. Mas tenta racionalizar. Tens um preço, o teu, e acho muito bem que não o baixes (a não ser por motivo absolutamente imperioso, o que julgo perceber não ser o caso). Se os teus chefes entendem não estar dispostos a pagar esse preço, é sobretudo um problema deles. Não haverá, então, muito mais que possas fazer. As pessoas enganam-se a toda a hora (sobre nós e sobre os outros), e temos de saber viver com isso. Eu, filosoficamente, entenderia que está na hora de seguir adiante. Creio que a vida tem outros projectos para ti, certamente melhores. Como dizia a outra, não negue à partida... Ânimo! Vai dando notícias sobre os próximos capítulos. E aproveita estes dias para descansar e olhar para dentro. Beijinhos, Luísa C.
Não, Teresa, de facto não ficou. Agradeço as suas palavras. Sim, há-de vir algo novo. E depois contarei as aventuras por aqui. Pois de certo que vão acontecer mais peripécias, quanto mais não seja... com o meu alemão! ;)
Obrigada, Luísa.
Eu sei que há vacas em todo o lado. Mas é triste trabalhar bem com toda a gente e... vir um cabra destas dar-nos cabo do sistema, não é?!? Há sempre uma espécie de esperança parva que neste local de trabalho, que naquela firma, que com aquele colega... as coisas são diferentes. Se eu não tivesse essa esperança já me tinha atirado de uma ponte há muito tempo (e não estou a ironizar!)...
Eu hei-de dar a volta. Ainda não sei como, pois fui apanhada de surpresa. Mas ou eu me impunha ou jamais me ergueria... Qualquer dia já me rio disto (embora vá sentir muito a falta do meu "bayerisch" e da minha "professora de dialecto suíço"!!)
oh... esqueci-me de uma coisa: beijinhos para as duas. ;)
Agora, enquanto te estava a ler, fizeste-me pensar. Já me aconteceu deixar empregos à conta de maus colegas (é irrelevante, no caso, estar a elaborar sobre isso). Na altura, pareceu-me uma injustiça. Mas hoje, olhando para trás, em perspectiva, reconheço que essas pessoas me fizeram o favor de me fazer desandar de situações em que eu teria facilmente "estacionado", estagnado. A eles devo, por exemplo, o ter vindo terminar a faculdade. E, apesar dos apesares, gosto muito mais de dar aulas do que do trabalho que fazia com essa gente, que ainda por lá deve andar, a marinar na mesma velha lama... Por isso te dizia que, quase sempre, quando se fecha uma janela, abre-se uma porta. Por vezes estamos é obstinadamente de costas e não a vemos... Beijinhos. Não fiques triste. Lembra-te de que o pensamento positivo atrai coisa boas - certamente melhores do que essas que deixas agora para trás. Beijinhos do Zé, também. Sabes que ainda brinca com o comboio que lhe deste? Luísa C.
Eu sei tudo isso, Luísa. E é o que eu digo muitas a vezes a outras pessoas. Mas no fim de tanta batatada na vida e de dizermos e ouvirmos vezes sem conta essas frases feitas de "há males que vêm por bem", "fecha-se uma porta e abre-se uma janela"... eu deixei de acreditar muito...
O que me atormenta nisto tudo é a solidão que estava a ir aos bocadinhos embora (conforme ia criando laços) e regressou, em força... :s
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