terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Olha eu a citar Pessoa

Há quem lamente o facto de eu não exercer a minha profissão porque acha um absurdo eu ter estudado tantos anos para depois ficar a ver navios. Outros ainda lamentam que eu não seja professora porque consideram que eu até tenho jeito para os miúdos. Mas também há quem lamente que eu trabalhe num quiosque porque têm vergonha de ter uma amiga licenciada a trabalhar num quiosque.

Ora bem, eu  não posso obrigar ninguém a estudar português de Portugal por estas bandas. E recuso-me a falar de novo no sistema na Tugolândia. Toda a gente sabe como está, não é preciso chover no molhado!!!

Deste modo, tenho que me sujeitar a trabalhar onde me aceitem. Claro que há a hipótese de voltar a estudar. Mas, eu preciso de comer. Já acho frustrante ter que viver com a minha mãe, agora voltar a receber mesada dela... seria hilariante!!!! Como não me sai a porra do euromilhões e não tenho marido que me sustente... mantenho-me a trabalhar. Se para a frente me sentir com vontade e encontrar uma forma de conciliar estudos com trabalho... quiçá...

Até lá trabalho no que me dê dinheiro e que me interesse de algum modo. Por isso me candidatei ao quiosque.

Vendemos jornais de todo o mundo. Só nas publicações diárias encontro pelo menos três alfabetos diferentes e umas 10 línguas. Claro que se falarmos de impressão na hora (imprimimos os jornais que o cliente quiser em tamanho A3, sem suplementos)... chinês, japonês, sueco, do Brasil, dos EUA...
Depois há a publicações periódicas com temas que vão da costura à haute couture, dos modelos de avião aos carros de colecção (há uma revista que custa mais de 100 francos!!!!!). Revistas de história, de ciência, de cusquices, de lésbicas, de homossexuais, de tatuagens, de música, de cannabis, de sudoku, de sátira (sim, Charlie Hebdo incluído), de palavras cruzadas. Sobre camiões, caravanas, motas, comboios, eléctricos, sobre o dia-a-dia. De comida, de dietas, de decoração. De crianças, de adolescntes. De manga, do Lucky Luke. De miscelâneas, de computadores. Com nomes estranhos, com nomes parecidos. Bimensais, anuais, de quartais. Há lá um canto que tem uma 10 revistas muito semelhantes, tanto em tema como em nome.  Ainda não tive tempo de perceber a razão do fenómeno, mas que me baralha... lá isso, baralha!!!!

Além dos mais de 2000 títulos de publicações deste género ainda há os livros. Adoro as Quintas-feiras. É o dia em que temos que mudar as prateleiras com os livros da semana. Sinto-me nas minhas sete quintas. Claro que isso faz com que eu acabe a cair maisem tentação, mas... ler é bom.

No entanto, que eu realmente acho engraçado são os cigarros. Soft, box, mild, 100's, slim... quem diria que para uma pessoa se matar poderiam existir tantas formas, sabores, tamanhos e preços?!?

Por fim, há os clientes. Há lá um que é tão especial que até grande vaca já me chamou. Mas quanto mais ele resmunga, mais eu demoro a controlar as raspadinhas dele. Se é viciado, que se trate, não ande a enfernizar a vida de ninguém. Só que para compensar este há outros muito carinhosos, atenciosos e educados. Há ainda as gorjetas e as histórias quenos levam às lágrimas de tanto rir.

Assim, se o Fernando Pessoa escreveu um poema com o nome Tabacaria em que o dono da tabacaria até sorri, por que raio não hei-de eu também sorrir por trabalhar numa tabacaria?!?!

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