domingo, 17 de janeiro de 2010

Do silêncio e da amizade

Odeio emails FW. Abro-os todos para perceber que tema têm (às vezes, estes conseguem ser divertidos).
Para saber se é desejo de sorte na vida, com a imagem de Buda a acompanhar um texto sobre presidente da Argentina (ou lá o que é) que perdeu um filho porque não reenviou aquele mail, para saber se é sobre a educadora de infância com 21 anos (há pelo menos 8 anos) que ainda não recebeu medula compatível (escusam de enviar para mim pois eu estou, com orgulho, registada no CEDACE), para saber se são imagens chocantes de uma menina com uma deformação congénita criada em Fotoshop, se é uma compilação de imagens da Índia ou de frutas cortadas, ou, ainda, para saber se é sobre amizade.
Quando têm Powerpoint anexado, raramente abro, quando têm vídeo anexado, só abro se for com um título muuuuuuuuito apelativo ou se for enviado por alguém que eu sei que só faz FW porque é mesmo interessante.

Há coisa de 2 semanas recebi este email:
Luísa,
é só para mandar um abraço muito, muito forte de Portugal.
Ângela


e no mesmo dia alguém me enviou um email cheio de coisinhas bonitinhas, muito fofinhas, com este corpo de mensagem:

Dá este coração a todos que não queres perder em 2010
(incluindo a mim se não te importares).
Tenta conseguir 12. Não é fácil.
Nunca desvalorizes ninguém...
Guarda cada pessoa perto do teu coração...
Porque um dia podes acordar...
E perceber que perdeste um diamante....
Enquanto estavas muito ocupado(a) coleccionando pedras.


O assunto do email da Ângela dizia: "oi", o do outro dizia: "FW: TR: Hummmm....será que me envias?!?!". Qual é o mais importante? O que fala de amigos? Ou o de uma amiga?

Muita gente tem o hábito (eu também tinha) de dizer: "Tu sabes que eu estou cá para ti." "Oh! Os meus amigos sabem que estão no meu pensamento sempre." Só mentiras pegadas...
1. Nós não pensamos todos os dias em toda a gente. Ou se conhece pouca gente ou é humanamente impossível, apesar de ser algo bonito de se almejar...
2. Nós não estamos sempre lá para os amigos. Temos dias em que somos nós que precisamos dos nossos amigos e não podemos estar lá para eles.
Mas isso, para mim, é o menos importante.

O que interessa saber mesmo é: será que os nossos amigos sabem que estamos lá para eles? Ou na persepectiva inversa: será que sabemos que eles estão lá para nós?
Qualquer pessoa pode responder: "Claro que sim! Claro que estão lá para mim (ou estou lá para eles), se somos amigos, não é preciso dizer essas coisas porque se sabe logo."

Eu pergunto de outra forma: Será que é assim? será que não é preciso dizer nada?
Se racionalizarmos uma amizade, conseguimos dizer com mais ou menos certezas até onde um amigo vai, quantas vezes é capaz de se lembrar de nós durante a semana, etc. e tal. Mas a amizade é feita de emoção. E nesse campo as coisas têm que ser ditas. É preciso ouvir do outro: "Eu gosto de ti." "Obrigada pela prenda, tu sabes mesmo o que me agrada." "Esta conversa contigo fez-me muito bem. Tu consegues ajudar-me tanto. Obrigado!"
Ouvir uma frase que começa: "tu sabes..." nem sempre é suficiente.

Não é preciso dizer o que se sente todos os dias (seria impossível e monótono), mas abrir um FW com a mensagem:
"Eu amo muito VOÇÊ. Reenviei para voçê porque tu és importante espero receber de volta", não prova que os amigos se lembram de nós, ou que nós nos lembrámos dos amigos, não prova que eles estão lá para nós ou que nós estamos lá para eles.

Durante anos, gabei-me (e ainda gabo) de ter uma amizade especial com uma pessoa. Essa amizade nunca precisou de muitas palavras. Numa onda de Principezinho e raposa, sentávamo-nos lado a lado e passávamos uma tarde juntos no silêncio. Recomendo vivamente. De vez em quando, não há nada mais terapêutico.
No entanto, parece-me que só silêncio não alimenta amizade nenhuma. De vez em quando deve quebrar-se o silêncio e falar, contar como foi o dia, romper o silêncio e dizer o quanto somos abençoados por ter aquela pessoa ao nosso lado. E nunca supor que o/a outro/a sabe o que nos vai na alma, o que pensamos dele/a. Eles são nossos amigos, não são adivinhos. E por muito que digam que o silêncio é de ouro... neste contexto não se adequa nem um pouquinho!!! Mas se não estiverem com paciência para escrver uma linha, como alguna fazem, também não vale a pena enviar um texto que foi lido por uns milhares de pessoas, dentro de um email em que nem sequer há o pudor de deixar os emails dos outros incógnitos...

Ângela, quase que senti o calor do teu abraço no teu email. Mas espero que o possa sentir verdadeiramento em breve. E apesar do atraso, aqui fica a minha resposta ao teu email que dizia muito. ;)

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