domingo, 9 de dezembro de 2012

Extremismo religioso não são só bombas.

Há coisas que é sempre bom recordar antes começar a escever certos textos, para evitar chatices com gente assanhada e/ou fanática:

Vivi 12 anos com freiras. Fui uma adolescente problemática, mas cresci. Hoje visito-as sempre que posso. Escrevo postais no Natal. E tenho tratamento muito especial em todas as casas da congregação em Portugal que poucas pessoas só consegeuem ter numa só casa. Sou de formação católica apostólica romana. Tenho o baptimo, a primeira comunhão e optei por não fazer o crisma por considerar que é um passo que deve ser dado com vontade e não com dúvidas. Sou uma católica praticante que não vai há missa há anos (ir bater no peito “Mea culpa” todos os Domingos NÃO é ser católica praticante). Trabalhei, convivi e até vivi com muçulmanos de vários pontos do Mundo (a Geografia tem muita influência desde a roupa que vestem ao comportamento deles). Uma das minhas melhores amigas foi criada sem religião. Vivo num cantão prptestante, praticamente só conheço suíços protestantes que me convidam para as suas casas e as suas cerimónicas sem  qualquer cerimónia. Gostaria de saber mais sobre as outras religiões. Perceber  as semelhanças e as diferenças dos textos sagrados, mas para isso… é preciso muito tempo e conhecer as pessoas certas que me ensinem.

Depois de tamanha introdução ter adormecido metade dos leitores deste texto. Espero que a outra pessoa que ainda está acordada fique por aí… :D

Porquê isto a estas horas?!?
Tenho andado com um problema com a minha patroa. E, infelizmente, não tem nada a ver com trabalho!!!

Eu não sei bem a que religião ela pertence. Mas sei que católica não é. Para bem ser o seu comportamento é quase de um membro de uma seita. Juro!!!

No dia que começou a minha aventura a saltar de médico para médico e que acabou no dia em que descobri que tinha esclerose, eu estava calma. Sempre pensei que era uma infecção de nada. O médico de família dava-me antibióticos e já estava tudo em ordem. Eu mantive-me calma até ao exacto segundo que o neurologista disse esclerose múltipla. Houve um único momento em que vacilei: dentro da máquina de ressonância magnética (na primeira que fiz) cogitei a hipótese de cancro, mas no fim de sair de lá passou tudo.

No entanto, a patroa, e apesar da minha calma, resolveu começar a perturbar-me desde o dia um.

Apareceu na loja pela manhã e pergunta-me: Acreditas que Deus te pode curar? [numa coisa de milagre inexplicável]. Lamento, mas como eu pensava que era uma simples infecção disse-lhe: Acredito que o médico me pode curar. Lamento uma vez mais, mas eu sou como São Tomé. Vivi numa congregação fundada por uma mulher que está canonizada, que supostamente fez milagres. Eu não digo que não aconteceram, mas… eu não vi. Garanto-vos: é horrível viver assim!

Mas voltando à patroa: Ai!! O que fui eu dizer?!?! Lá me vem uma missionária a tentar evangelizar, a citar a Bíblia e a fazer uma pressão enorme, própria do tempo da Inquisição e não do século XXI.

Como na altura a coisa do olho não me assustava, eu disse-lhe porque tinha dificuldades em aceitar de forma dogmática tanta coisa que é apregoada pelos cristãos, sejam eles de que linha forem, bem como outros elementos de outras igrejas. E fui ao exemplo mais básico: porque raio as minhas meninas (as filhas da prostituição, da droga, do abandono, etc, que as minhas freiras ajudam todos os dias) têm que sofrer? Porque é que eu tive que conhecer uma miúda de 12 anos que durante quase um ano não sorriu para ninguém lá em casa? É que ao ouvir a freira deu-me vontade (e às outras raparigas que estavam na conversa) de ir à procura de certa gente e bater, bater, bater, bater até não ter mãos para bater mais. Pois eu tenho dúvidas em acreditar e em aceitar certas coisas, como outros aceitam, porque ainda ninguém me conseguiu explicar por que  que uma miúda com doze anos  teve que sofrer todas as atrocidades que uma pessoa não deve sofrer ao longo de toda a vida.

Por causa destas dúvidas eu evito falar de Deus. Não me importo de falar de Religião, mas Deus, se Ele existe, deixem-no lá estar onde Ele está. Se tiver que ser, Ele acerta contas comigo qualquer dia e eu tenho que me sujeitar às Suas contas.

Nomalmente, com a pergunta do “Porquê isto?” as pessoas calam-se, pois percebem que não me podem dar uma resposta plausível (que eu entendo que ninguém tem e que não exijo de ninguém) e que não adianta insistirem enquanto a não tiverem.

No fim de me irritar o bastante, pensei que a patroa tinha atingido que, infelizmente, no tema Deus vale mais fazer como a minha mãe (católica praticante e que vai à missa) e como as freiras: deixa andar.

Afinal não! Na semana seguinte, dois dias depois de eu saber a bela da notícia da esclerose, ela volta à carga. E a coisa ficou ainda mais pessoal. Eu ainda estava a tentar digerir tudo e ela diz-me coisas lindas… que, claro, eu contra-argumentei e ela não consegui dar contra-contra argumento.

Ela começou com o primeiro disparate, e, segundo ela, eu fiquei doente para poder receber o milagre da cura. Eu disse-lhe que o milagre seria eu não ter ficado com esta doença (convenhamos, não foi um acidente de carro que eu provoquei por estar com os copos, que me atirou para uma cadeira de rodas e em que Deus me faz o milagre de voltar a caminhar).

Além disso, não são as pessoas especiais que recebem os milagres?!? Eu sou tão banal. Não sou assim tão especial.

Depois perguntou-me: e tu tens consciência do valor da tua saúde? Confesso que podia ser um pouco mais atenta, mas… não tenho atitudes e comportamentos auto-destrutivos. Logo, sim, tenho consciência do valor da minha saúde e da minha vida.

Não contente ela diz-me: Deus deu-te essa doença porque quer despertar algo em ti. Eu aí perguntei-lhe: O que é que se pode despertar com uma doença como a esclerose múltipla?  (ou outra doença qualquer). Se as coisas correrem mal vou tornar-me dependente de outra pessoas. Isso é bom para quem?! A minha mãe sofre imenso com isto tudo. Isso é bom para quem? É para despertar o amor que tenho pela minha mãe?!? Eu amo a minha mãe, respeito-a, admiro-a, ajudo-a o mais e melhor que posso. Não falo com ela sobre esta merda de doença para não a preocupar. Porque sempre soube o quanto ela sofre com os filhos doentes ou tristes. Eu não preciso de uma doença auto-imune para me despertar algo em mim… Ninguém precisa!!!

Como ela acha que eu preciso de encontrar Deus, perguntou-me se eu não queria ir com ela encontrar Deus. E eu disse-lhe que se não ia à missa na minha língua também não tinha lógica ir à missa noutra língua e outra confissão. Mas encontrar Deus não só ir à missa. Ora bolas… isso sei eu. Um sorriso, uma palavra amiga, um abraço, uma criança a brincar no jardim, os pássaros, até os 30 centímetros de altura de neve que eu varri hoje podem ser sinais de Deus, de uma força maior, do que queiram chamar. Mas… as minhas dúvidas continuam cá, seja um Inverno gelado ou uma Primavera amena, haja crianças no parque a descobrir as cores do Outono ou estajam elas em férias de Verão…

Só sei que saí do trabalho lavada em lágrimas e ainda mais deprimida do que já estava… Dois dias depois de leavr com uma bomba daquelas?!? Não era a hora nem o local para me evangelizar. E muito menos o método!

Mas a coisa estava calma. Quer dizer… era isso que eu pensava.

Eu pensava que ela já tinha metido na cabeça de fanática dela que eu tenho dúvidas e que me custa compreender muita coisa. Que respeito as crenças dos outros e aceito que eles façam as coisas mais radicais como jejuar ou andar tapado dos pés à cabeça ou ir Santiago de Compostela a pé ou “bater” com a cabeça no Muro das Lamentações. Mas que não aceito que me forcem a dizer que vejo o que eles vêem, se eu não consigo ver…

Como estava a dizer, pensava eu que a coisa estava mais calma, mas foi só até Quinta-feira passada.

A Quinta-feira é o meu dia mais pesado. Começo às oito, acabo às oito. A hora de almoço que deveria ser de duas horas e meia é sempre de duas horas, pois a Quinta é também o dia em que o patrão vai às compras e eu tenho que arrumar tudo (aqui a moça sobe escada, desce escada, carrega paletes, descarrega pacotes, enquanto serve cafés, pesa cenouras, dá trocos de cigarros, sorri a clientes chatos e põe adolescentes insubordinados na ordem). Resultado, eu trabalho entre nove a dez horas às Quintas. À noite o que eu mais quero é apanhar a porra do comboio, jantar, enfiar-me na cama com o computador em cima pernas até me dar sono e dormir porque à Sexta entro às seis da matina. À noite o que eu menos quero é ouvir notícias de tragédias e/ou entrar em discussões filosóficas de qualquer nível. Muito menos se for em alemão.

Pois bem… no fim de mais um dia de cão, já estava eu a vestir o casaco para sair, vira-se a patroa: veio-me agora uma coisa à cabeça. Um bocado antes ela tinha dito que se tinha esquecido de me dizer algo e eu fiquei atenta, quando ela dispara: Eu já sei porque é que não entendes Deus.

Eu só senti as minha narinas a dilatar. E não a mandei à merda porque além de ter um trabalho para manter, tamanha obsessão dá-me pena. Mas ela não pensa em mais nada?!?

Por outro lado dá-me raiva. Será que ela não se toca?!? É de mim ou uma pessoa que em seis semanas fala três vezes de um tema que sabe que pertubar a sua interlocutora está a ser inoportuna, obcecada, fanática e até mal educada?!?

Toda a gente diz que eu penso demais. Durante anos vivi dos impulsos, das impressões, das sensações. Andaram tempos infinitos a ensinar-me que deveria racionalizar mais. Eu assim fiz. Agora acho que o faço demais. Devia ser mais crente (e aqui já nem falo no plano divino), mas tornei-me muito de cálculos, análises. E, sem dúvida, vivo do que vejo, o que apalpo, do que leio, do que oiço.É difícil para uma pessoa assim acreditar sem questionar. E quando questiona… a coisa ainda mais difícil é. Eu tenho consciência disso.

Mas começo a ver que as pessoas que não são como eu, ao contrário de mim, que as aceito como são, têm grandes problemas em aceitar-me como sou.

E fico triste por isso. Porque neste momento tenho cada vez menos vontade de trabalhar ali (por vários motivos a hipótese de mudar de trabalho nos próximos tempos está fora de questão) devido a esta Guerra Santa sem flechas, nem bombas, nem homens suicidas, nem cruzados que a minha patroa empreedeu contra mim.

É impressão minha, ou este mundo tem muito que aprender e ver que não é preciso atirar pedras para ferir uma pessoa profundamente?!?!

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