sábado, 9 de junho de 2018

Sentir

Trabalhar num aeroporto pode colocar-nos em situações que nos despertam as emoções mais opostas, situações que não passam pela cabeça dos comuns mortais (sim, quem trabalha num aeroporto não é comum, para começar, só quem não bate bem da bola tem horários estranhos como nós...).
Ontem foi um desses dias...

Discussões com indianos por causa da bagagem, discussões com chineses por causa da bagagem... até aqui nada de novo.
Aeroporto momentaneamente fechado por causa da trovoada (quem está junto dos aviões simplesmente pára de trabalhar porque o risco de acidente (mortal) é muito elevado), espaço aéreo europeu congestionado, coisas que fazem com que os aviões atrasem horas e as pessoas comecem a "panicar" e a fazer perguntas que não interessam e a atrasar-nos o trabalho... continua a não ser nada de novo.
No entanto, houve coisas novas e fui ao céu e ao inferno em poucas horas.

Um episódio... ooooom.... dois namorados muito novos, ele apresenta os documentos e ela não pára de perguntar: aonde vamos? aonde vamos? Eu tive que estragar a surpresa... porque eu sou obrigada a perguntar se Paris é o destino final. Mal ele me confirmou, ela atirou-se ao pescoço dele... oooooooh... :)

Mas como a minha vida não pode viver sem adversativas... veio a reviravolta.

Estava sozinha no check-in. Um senhor quase idade para ser meu pai, com um sorriso triste e uma educação fantástica, pergunta-me se é possível mudar o bilhete dele. Enganou-se a comprá-lo. E explicou-me porque se enganou, o pai doente com cancro, ele tinha vindo uns dias antes à Suíça por causa dele... Aquilo tocou-me.
Vi se tínhamos lugares nos vôos que faltavam sair e disse-lhe que tinha que esperar pela minha colega. Expliquei que eu não posso manipular bilhetes, mas que daí a coisa de uma hora a minha colega regressava e que mesmo que ele tivesse que esperar, se fosse possível mudar ele tinha muito tempo para apanhar o avião. Agradeceu-me e foi-se embora.
Nem meia hora depois, voltou. Estava na fila da prioridade e eu disse-lhe que esperasse na linha do atendimento ao cliente. Tudo isto enquanto fazia um check-in  a uma senhora inglesa, completamente despreocupada.

Ele aproxima-se e diz-me: Eu não vou esperar. Venho dizer-lhe que esqueça tudo. O meu pai acabou de morrer.
O que se diz numa situação em que temos a etiqueta de uma mala de uma inglesa numa mão e o talão de embarque da mesma inglesa na outra??
Só sei que queimei os parafusos todos, despachei a inglesa que percebeu que eu não estava bem e que só deixou o check-in quando eu lhe disse que ia chamar alguém para me substituir.

Já me passaram pessoas pelas mãos que estavam a viajar para ir casar numa ilha paradisíaca e se esqueceram do vestido de noiva (mas conseguimos salvar a situação), gente que ia fazer o Caminho de Santiago a partir de Bilbao e estava preocupada com o peso da mochila para a viagem. Já fiz o check-in de quatro gerações: bisavó, avó, mãe e um rapazito de uns sete anos (perfeito seria se fosse menina!). Já tive momentos em que disse a uma família inteira que não pode viajar por falta de um documento. Ou momentos em que digo a um pai, pelo telefone, que o filho dele não pode viajar para a Macedónia e que a avó vai ter que ficar na Suíça com ele, porque faltam CINCO dias no passaporte para estar tudo legal. Faço check-in a famosos com alguma regularidade (há dias discuti com um gajo que anda aí na berra, todos os dias oiço a música dele na rádio e não... ele não levou a dele avante). E check-in para pessoas a caminho de um hospital para ver familiares doentes ou de um cemitério para enterrar um ente querido, também não é novidade.

Mas... aquele sorriso triste, aquela educação toda... não mereciam receber uma notícia daquelas num terminal de aeroporto. E como eu não sou de pedra (nem quero ser)...

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