sábado, 2 de abril de 2016

Da morbidez dos vivos

No feed  de notícias do livro das caras apareceu-me uma foto de um homem que estava a receber uma condecoração. Fiquei curiosa e tentei perceber o porquê da foto na página do Município de Constância. Ao que parece, é o coveiro da terra a receber um reconhecimento pelo seu trabalho.

Mas ao ficar a perceber a razão da foto percebi que o mundo está mais atrasado do que eu pensava. Houve logo um otário a ironizar o facto. Ignorante, muito ignorante.
Admiramos polícias e bombeiros porque arriscam a nossa vida. Admiramos médicos e enfermeiros porque quase que operam milagres de salvação.

Deveríamos também admirar os coveiros. Se eu já acho o trabalho de cangalheiro tramado... o de coveiro deve deixar uma pessoa bem  perturbada.
Descer um caixão à terra deve mexer muito. Uma caixa onde se sabe estar o que foi uma vida, muitas vezes nossa conhecida.
Sentir o peso da morte nos braços,o calor das cordas a rasppar nas luvas. Depois pegar numa pá ou, ainda mais frio, numa mini-retroescavadora e acabar de vez com a hipótese de aquele corpo voltar a ser visto.
Ou preparar uma campa onde já esteve alguém enterrado. Uma tíbia, o úmero ou o crânio da senhora dona X que até era a mãe do colega de carteira na escola primária e nos dava uma côdea de pão sempre que íamos lá a casa.

Se fôssemos um país onde se preservam os corpos e se fazem fotos a jogar poker com eles... eu compreendia que não se desse grande valor ao trabalho deles. Nós, vivos, trataríamos dos nossos mortos.
Mas se não somo assim, por que raio havemos de gozar com uma profissão que está a desaparecer?!?! Desrespeitar quem tanta força tem para respeitar o nosso avô, a mãe do nosso vizinh, o nosso filho menino que morreu antes de ser baptizado...

Uns são enterrados mortos, outros morrem e enterram-se sozinhos e em vida... :/

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