quarta-feira, 9 de junho de 2010

Da realidade e da ficção















São quase 22h. Estão 20 graus. Sentada na minha varanda de um terceito andar, aproveito a réstea de luz do sol. Aproveito também para ver uns emails e para escrever sobre um pensamento que me ocorreu quando regressava a casa...

Nesta altura o trigo e a cevada já têm mais de 50 cm de altura. O cereal está verde, mas faz um efeito bonito quando é soprado pelo vento.

Hoje, na descida de um planalto vi como o vento passava a sua mão suave e carinhosamente sobre as espigas. E daí os meus pensamentos voaram para os livros que tenho lido ao longo da minha vida.

Quando era miúda tentava recriar as histórias que lia. Sei que havia um texto num livro da escola primária que se chamava algo como "Ana e os anões". Ela fez uma casa numa raiz de uma árvore. Forrou-a com musgo e com paus fez a porta. No pátio da minha escola havia uma árvore enorme (um vimeiro que foi cruelmente cortado) com um buraco entre as raízes. Convenci o meu melhor amigo da época a construir a casinha para os anões. Só a porta foi um fiasco. Faltava-me a linha para prender os paus uns aos outros.

Mais tarde, também no livro de Língua POrtuguesa da escola primária, li o texto com o nome "O Cacho de Uva". Nunca me esqueci de Branca, que era o contrabalanço no alforge (palavra esquisita, difícil de dizer e impossível de entender para uma miúda). Havia um burro com um nome engraçado, Platero. Já na faculdade, li o livro de Juan Rámon Jiménez, mas a loucura de procurar um cacho dourado esquecido foi vivida durante várias vindimas muitos anos antes. Não eram uvas douradas, não tinha um burro com dentes grandes para as partilhar, mas sentia-me a quinta criança do texto.

Ao deixar os meus olhos seguirem o correr daquelas ondas em terra e os meus pensamentos voarem mais alto que as nuvens, percebi que nos dias de hoje uma criança, em Portugal, dificilmente se imaginará a Ana do texto da escola ou um acompanhante de um burro.

Os burros estão em reservas. As searas de trigo, se as há, serão só vistas por alguns, apreciadas por muito poucos. Os agricultores são cada vez menos, os campos estão ao abandono. Quantos adolescentes sabem o que é esconder-se no meio de um milharal e ficar todo cortado pelas folhas? Ver os pescadores a chegar da faina (O que é isso?)... onde?
E isto sem falar dos meninos da cidade que pensam que o leite é mungido (Quê?!?) no supermercado, directamente para o pacote.

Não quero dizer que todos devam passar por experiências como as minhas. Não quero dizer que hoje não haja outras realidade que me vão escapar por completo e que os mais novos vão dominar como ninguém. Mas quantos são capazes de se deitar na erva (relva não conta) fresca a observar as nuvens a passar?!?
Não sei explicar... se eles têm que ler O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, é justo que eles saibam pelo menos onde dormem as andorinhas... não?

Agora vou tomar um duche e dormir. Amanhã tenho prova de alemão e de certeza que não me vai aparecer (muito infelizmente) nenhum excerto da descrição do Ramalhete, nem "Ninguém!".

Sem comentários: