sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Laços
















– «Cativar» quer dizer o quê? – perguntou o principezinho.
– É a única coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. - Quer dizer criar laços…
– «Criar Laços»?
- Sim, laços – disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Só compreendemos o que cativamos. Se queres um amigo, cativa-me…~
- E tenho de fazer o quê? - perguntou o principezinho.
- Tens de ter muita paciência – respondeu a raposa.
- Primeiro, sentas-te longe de mim…assim…na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. As palavras são uma fonte de mal-entendidos. Mas podes sentar-te cada dia um bocadinho mais perto... [...]

É a parte que mais me marca de O Principezinho, porque é uma bonita forma de começar uma amizade, porque já tive amizades que começaram assim. E porque nas últimas semanas voltei a encontrar uma (espécie) raposa.
Quando trabalhava no turno da manhã, apanhava o primeiro autocarro do dia e, por incrível que pareça neste bairro de velhinhos, não era a única. Na mesma paragem de autocarro entrava um 'vizinho' meu, que depois, tal como eu, fazia transbordo para o comboio e saía umas estações antes de eu chegar ao meu destino. Todos os dias, independentemente de quem chegava primeiro, cumprimentávamo-nos com um simples "bom dia!".
Até que nos apercebemos que também à tarde fazíamos o mesmo percurso. Apanhávamos o mesmo comboio de regresso e fazíamos o transbordo para outro comboio (alternativa mais rápida que o autocarro) para chegarmos ao nosso bairro.
Lentamente, o nosso "bom dia!" passou a ser de um tom diferente e ousámos trocar sorrisos ao fim do dia de trabalho, quando nos cruzávamos ainda dentro do segundo comboio ou já no cais.
Agora já não tenho que me levantar às 4h30 da manhã, o que me dá um enorme alívio. Mas confesso que sinto falta desta coisa que se estava a passar. Não era uma amizade como a da raposa e do pequeno Princípe, não era, sequer, uma relação de conhecidos que fazem perguntas triviais enquanto esperam pelo autocarro, mas aqueles "bom dia!" e sorrisos que trocámos criaram laços onde havia uma espécie de cumplicidade, sem pretensões, segundos sentidos ou interesses por trás.
E esses laços, infelizmente, são coisa rara nos tempos que correm.

1 comentário:

Ângela Mendes disse...

arrepiei-me. gosto destes laços. muito.